Vias da Dor Periférica e Central – Guia Completo para Estudantes de Fisioterapia
A dor representa um dos sistemas mais complexos e fascinantes do corpo humano. Como estudantes de fisioterapia, compreender os mecanismos subjacentes à percepção dolorosa é fundamental para desenvolver abordagens terapêuticas eficazes. Este artigo explora detalhadamente as vias da dor periférica e central, com base nas pesquisas mais recentes de renomados especialistas como Lorimer Moseley, David Butler, Prof. Dr. André P. Coutinho e David Yarnitsky.

A dor não é simplesmente um sintoma, mas sim um sistema sofisticado de proteção que envolve múltiplos componentes do sistema nervoso. Desde os receptores periféricos até o processamento cortical, cada etapa da via dolorosa apresenta características únicas que merecem atenção especial. Neste guia completo, abordaremos:
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A definição e classificação da dor
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Os componentes anatômicos das vias periféricas
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O processamento central da informação dolorosa
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As teorias modernas sobre modulação da dor
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As implicações clínicas para a fisioterapia
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Perguntas frequentes sobre o tema
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Referências científicas essenciais
O Conceito de Dor na Ciência Moderna
Definição Atualizada de Dor
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) define dor como:
“Uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a, ou semelhante àquela associada a, dano tecidual real ou potencial.”
Esta definição, revisada em 2020, reflete o entendimento contemporâneo de que a dor pode existir independentemente de dano tecidual evidente, um conceito crucial para entender as dores crônicas.
Classificação da Dor
A dor pode ser categorizada de várias formas:
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Quanto à duração:
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Dor aguda (proteção imediata)
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Dor crônica (persistente além do tempo esperado de cura)
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Quanto ao mecanismo:
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Dor nociceptiva (ativação de nociceptores)
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Dor neuropática (lesão do sistema nervoso)
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Dor nociplástica (alteração no processamento da dor)
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Quanto à localização:
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Dor somática (músculos, ossos, pele)
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Dor visceral (órgãos internos)
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VEJA MAIS:
Modulação da Dor no Sistema Nervoso Central
Tipos de Dor: Nociceptiva, Neuropática e Nociplástica
Vias da Dor Periférica: Da Periferia à Medula Espinhal
Os Nociceptores: Sentinelas do Tecido
Os nociceptores são terminações nervosas especializadas que detectam estímulos potencialmente lesivos. Localizados em praticamente todos os tecidos do corpo (exceto no cérebro), esses receptores respondem a três tipos principais de estímulos:
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Mecânicos (pressão excessiva, cortes)
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Térmicos (temperaturas extremas)
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Químicos (substâncias liberadas durante inflamação)
Transmissão do Sinal Periférico
A informação dolorosa é conduzida ao sistema nervoso central por dois tipos principais de fibras nervosas:
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Fibras A-delta
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Diâmetro médio (2-5μm)
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Condução rápida (5-30 m/s)
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Responsáveis pela dor aguda, bem localizada
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Exemplo: Dor ao tocar em algo muito quente
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Fibras C
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Diâmetro pequeno (0,2-1,5μm)
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Condução lenta (0,5-2 m/s)
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Responsáveis pela dor latejante, difusa
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Exemplo: Dor após uma queimadura solar
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Processo de Sensibilização Periférica
A inflamação tecidual leva à liberação de substâncias como:
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Bradicinina
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Prostaglandinas
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Substância P
Estas substâncias reduzem o limiar de ativação dos nociceptores, fenômeno conhecido como sensibilização periférica, que explica porque áreas lesionadas ficam mais sensíveis ao toque.
Vias da Dor Central: Da Medula ao Cérebro
Processamento Medular: O Primeiro Relé
Na medula espinhal, os sinais dolorosos sofrem modulação através de:
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Neurônios de projeção (transmitem a informação para níveis superiores)
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Interneurônios inibitórios (podem suprimir a transmissão dolorosa)
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Fibras descendentes (modulam a entrada de informações dolorosas)
Teoria do Portão (Gate Control Theory)
Proposta por Melzack e Wall em 1965, esta teoria revolucionária explica como:
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Estímulos não-nociceptivos (como massagem) podem inibir a transmissão da dor
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Fatores psicológicos influenciam a percepção dolorosa
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Técnicas como TENS (Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea) funcionam
Processamento Supraespinhal
O sinal doloroso segue para:
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Tálamo – Estação retransmissora principal
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Córtex somatossensorial – Localização e intensidade da dor
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Córtex cingulado anterior e ínsula – Componente afetivo da dor
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Sistema límbico – Respostas emocionais à dor
Dor Crônica: Quando o Sistema Falha

Sensibilização Central
Na dor crônica, ocorrem mudanças plásticas no SNC que levam a:
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Amplificação dos sinais dolorosos
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Respostas a estímulos não-nociceptivos
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Expansão das áreas dolorosas
Implicações para a Fisioterapia
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Educação em Neurociência da Dor
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Abordagem desenvolvida por Lorimer Moseley
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Mostra como explicar a dor reduz o medo e melhora resultados
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Terapia por Exercício
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Modula os sistemas inibitórios descendentes
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Promove liberação de endorfinas
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Terapias Manuais
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Ativam fibras Aβ que inibem a dor via teoria do portão
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Perguntas Frequentes
1. Por que a dor crônica persiste mesmo sem lesão tecidual?
A dor crônica envolve mudanças no sistema nervoso que mantêm a percepção dolorosa independentemente de dano tecidual atual.
2. Como a fisioterapia pode ajudar na dor neuropática?
Através de:
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Exercícios graduais para dessensibilização
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Técnicas de modulação sensorial
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Educação sobre o mecanismo da dor
3. Qual a importância da educação sobre dor no tratamento?
Estudos mostram que entender como a dor funciona reduz a catastrofização e melhora os resultados terapêuticos.
Referências Científicas Essenciais

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Aqui estão referências científicas fundamentais sobre as vias da dor periférica, incluindo livros-texto, artigos de revisão e pesquisas originais:
Livros-texto e Capítulos
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Basbaum, A. I., & Julius, D. (2006).
The Molecular Biology of Pain.
In: McMahon SB, Koltzenburg M (Eds). Wall & Melzack’s Textbook of Pain (5th ed.). Elsevier.
(Capítulo clássico sobre mecanismos moleculares da dor periférica) -
Purves, D., et al. (2018).
Neuroscience (6th ed.). Sinauer Associates.
(Seções sobre nocicepção e vias somatossensoriais)
Artigos de Revisão
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Dubin, A. E., & Patapoutian, A. (2010).
Nociceptors: The sensors of the pain pathway.
Journal of Clinical Investigation, 120(11), 3760-3772.
DOI: 10.1172/JCI42843
(Revisão abrangente sobre nociceptores e transdução periférica) -
Basbaum, A. I., et al. (2009).
Cellular and molecular mechanisms of pain.
Cell, 139(2), 267-284.
DOI: 10.1016/j.cell.2009.09.028
(Mecanismos celulares da nocicepção) -
Julius, D. (2013).
TRP channels and pain.
Annual Review of Cell and Developmental Biology, 29, 355-384.
DOI: 10.1146/annurev-cellbio-101011-155833
(Papel dos canais TRP na dor periférica)
Pesquisas Originais
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Caterina, M. J., et al. (1997).
The capsaicin receptor: A heat-activated ion channel in the pain pathway.
Nature, 389(6653), 816-824.
DOI: 10.1038/39807
*(Descoberta do receptor TRPV1, Nobel de Fisiologia/Medicina 2021)* -
Costigan, M., et al. (2009).
Neuropathic pain: A maladaptive response of the nervous system to damage.
Annual Review of Neuroscience, 32, 1-32.
DOI: 10.1146/annurev.neuro.051508.135531
(Plasticidade nas vias da dor após lesão nervosa)
Fisiopatologia Clínica
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Woolf, C. J., & Ma, Q. (2007).
Nociceptors—noxious stimulus detectors.
Neuron, 55(3), 353-364.
DOI: 10.1016/j.neuron.2007.07.016
(Integração entre periferia e SNC na dor patológica) -
Baron, R., et al. (2013).
Neuropathic pain: Diagnosis, pathophysiological mechanisms, and treatment.
The Lancet Neurology, 12(1), 83-94.
DOI: 10.1016/S1474-4422(12)70262-5
(Mecanismos periféricos na dor neuropática)
Avanços Recentes
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Peirs, C., & Seal, R. P. (2016).
Neural circuits for pain: Recent advances and current views.
Science, 354(6312), 578-584.
DOI: 10.1126/science.aaf8933
(Circuitos neurais atualizados da nocicepção)
Ferramentas de Pesquisa
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PubMed: Use termos como “peripheral pain pathways”, “nociceptor transduction”, “TRP channels pain”
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CiteseerX: Para artigos seminais em neurociência da dor
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Google Scholar: Filtre por revisões sistemáticas (2015–2023)
Essas referências cobrem desde os mecanismos moleculares básicos até as implicações clínicas das vias periféricas da dor. Recomenda-se começar pelas revisões (Dubin & Patapoutian, 2010; Basbaum et al., 2009) para uma visão geral antes de explorar os artigos específicos.
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Compreender as vias da dor periférica e central é fundamental para os futuros fisioterapeutas. Este conhecimento permite desenvolver intervenções mais eficazes e personalizadas, especialmente no manejo da dor crônica. A abordagem moderna, que integra neurociência, exercício terapêutico e educação do paciente, representa um avanço significativo no cuidado com pessoas que sofrem de dor persistente.